Grupos “jihadistas” islâmicos estão a aproveitar a instabilidade causada pela pandemia de Covid-19 – que não afecta o negócio de armamento – para lançar ataques e conquistar território em países africanos como Moçambique, alerta o relatório do Índice Mundial do Terrorismo 2020 publicado hoje.
O registo de ataques violentos durante este ano em países como Moçambique e Nigéria é um reflexo do aumento da actividade na África subsaariana de grupos “jihadistas” associados ao Estado Islâmico (ISIL), confirmou Thomas Morgan, investigador assistente do Instituto de Economia e Paz, baseado em Sydney (Austrália).
“A maioria da actividade tem sido concentrada na região do Sahel, mas temos observado este aumento recente de terrorismo em Moçambique. Existe ambiguidade sobre quais são os grupos responsáveis e em que altura se tornaram afiliados ao ISIL. Mas parece confirmar-se que é o ISIL que está por detrás da violência na África subsaariana e que a violência continuou a aumentar em 2020, mesmo durante a pandemia de Covid-19”, afirmou hoje, durante a apresentação do relatório, feita por videoconferência.
A província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, é há três anos alvo de ataques por grupos armados, provocando uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 435 mil deslocados internos.
O número de ataques na província onde avança o maior investimento privado de África, para exploração de gás natural, registou uma intensidade reforçada desde o início deste ano, continuando um agravamento registado no ano passado.
De acordo com o relatório publicado hoje, produzido desde 2003 para estudar as tendências do terrorismo internacional, Moçambique registou 319 mortes em 2019 resultado de ataques terroristas, mais 140% do que no ano anterior, atrás do Burkina Faso (593 mortes, mais 600%).
Isto fez Moçambique subir oito posições para a 15ª posição do Índice Mundial do Terrorismo 2020, passando a estar no grupo de países que sofrem um impacto alto do terrorismo, juntamente com a Somália, Paquistão ou Sri Lanka.
Este impacto não se resume à mortalidade, mas também diz respeito à repercussão indirecta na economia e investimentos e custos associados com segurança no combate ao terrorismo.
Os autores acreditam também que a instabilidade que grupos terroristas estão a explorar em Moçambique também está ligada à falta de resiliência socioeconómica para enfrentar ameaças ambientais.
“Países mais susceptíveis a choques destas ameaças nos próximos 30 anos, muitos são países frágeis e já em conflito. Existe uma relação histórica entre a escassez de recursos e conflito”, vincou o presidente do Instituto de Economia e Paz, Steve Killelea.
Moçambique é o país lusófono mais afectado pelo terrorismo, segundo o Índice Mundial do Terrorismo 2020, seguido por Angola, que desceu duas posições para o 54º lugar na classificação geral, mantendo-se no grupo de países com um baixo impacto de terrorismo.
Timor-Leste, Portugal, Guiné-Bissau e Guiné Equatorial mantiveram-se na 135ª posição, no grupo de países onde o terrorismo é considerado não ter qualquer impacto. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe não estão incluídos no Índice.
Terrorismo ou terrorismos?
Décadas de fluxos de armamento para o Iraque parcamente regulados, a par da falta de controlo sobre as armas no terreno, deixaram nas mãos do grupo armado auto-intitulado Estado Islâmico um vasto e letal arsenal que continua a ser usado para cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade a uma escala maciça, em diversos e novos pontos do mundo.
Assente em análises de peritos a milhares de imagens e vídeos confirmados como fidedignos, “Taking Stock: The arming of Islamic State” (Inventário: o armamento do Estado Islâmico), um relatório internacional fez há três anos a catalogação de como os combatentes do grupo “jihadista” estavam a usar as armas que obtiveram, na maioria, pilhando os arsenais militares iraquianos, e as quais foram desenhadas e fabricadas em mais de duas dezenas de países, incluindo a Rússia, a China, os Estados Unidos da América e vários países da União Europeia.
“O imenso e variado armamento na posse do grupo armado auto intitulado Estado Islâmico é um caso clássico de como o comércio irresponsável de armas alimenta atrocidades a uma escala maciça”, apontava o investigador da Amnistia Internacional Patrick Wilcken, perito em Controlo de Armas, Comércio de Segurança e Direitos Humanos.
“A parca regulação e a ausência de fiscalização dos enormes fluxos de armamento para o Iraque, que datam de há décadas, deram ao Estado Islâmico e a outros grupos armados uma bonança de acesso a armas sem precedentes”, prossegue.
Após a tomada de Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, em Junho de 2014, os combatentes do Estado Islâmico obtiveram controlo de um enorme volume de armas de fabrico internacional que se encontravam nos arsenais iraquianos. Aqui se incluem armas e veículos militares de fabrico norte-americano, de que o grupo “jihadista” fez uso para conquistar outras partes do país, com consequências devastadoras para as populações civis residentes nessas áreas.
A grande diversidade de tipos de armas capturadas e ilicitamente obtidas permitiram que o Estado islâmico leve a cabo uma campanha horrível de abusos. Execuções sumárias, violações, tortura, raptos e tomada de reféns – frequentemente cometidas sob a ameaça de armas – forçaram centenas de milhares de pessoas a fugirem das suas casas e a tornarem-se deslocados internos ou refugiados.
Preocupante variedade de armamento
Esta diversidade do arsenal nas mãos do Estado Islâmico, tanto no seu alcance como nos seus propósitos, reflecte os fornecimentos irresponsáveis de armas que ao longo de décadas foram feitos para o Iraque. Isto foi agravado pelos múltiplos falhanços, durante a ocupação do país liderada pelos Estados Unidos, na gestão das importações de armas feitas pelo Iraque assim como na activação de mecanismos de monitorização que impedissem utilizações finais impróprias desse armamento. Da mesma forma, a ausência de controlos sobre os arsenais militares e a corrupção endémica no país em sucessivos governos iraquianos agravaram ainda mais este problema.
O relatório “Taking Stock” documenta o uso que o Estado Islâmico tem feito das armas e munições que foram fabricadas em pelo menos 25 países diferentes, cuja vasta parte foi originalmente fornecida pelos Estados Unidos e por países do antigo bloco soviético. Estes fluxos de armas foram financiados em negócios de troca de armas por petróleo, através de contratos firmados com o Pentágono e de doações da NATO.
No arsenal do Estado Islâmico está armamento extremamente sofisticado como sistemas portáteis de defesa antiaérea (MANPADS), mísseis guiados antitanque e veículos armados de combate, assim como espingardas de assalto como as russas AK e as norte-americanas M16 e Bushmaster.
A maior parte das armas convencionais usadas pelos combatentes “jihadistas” são de fabrico que data dos anos de 1970 a 1990, incluindo pistolas, revólveres e outras armas de pequeno calibre, metralhadoras, armas antitanque, morteiros e artilharia. Espingardas de tipo Kalashnikov, da era soviética, são também comuns, oriundas maioritariamente de fabricantes russos e chineses.
“Isto demonstra uma vez mais que a avaliação e a adopção de medidas de mitigação dos riscos nas exportações de armas para regiões instáveis têm de ser feitas com uma análise a longo prazo, e que tenha em conta toda a complexidade do processo. Tal inclui avaliar se as unidades militares e de segurança [do país de destino dos fornecimentos] são ou não capazes de efectivamente controlarem os arsenais e cumprirem os padrões internacionais humanitários e de direitos humanos”, sustenta Patrick Wilcken.
O arsenal do Exército iraquiano cresceu substancialmente nos finais dos anos de 1970 e no início da década de 1980, especialmente no contexto da guerra entre o Iraque e o Irão. Este foi um momento prolífico no desenvolvimento do mercado moderno global de armamento, altura em que pelo menos 34 países diferentes forneceram armas ao Iraque – e 28 desses mesmos países estavam também, ao mesmo tempo, a exportar armamento para o Irão.
Entretanto, o então Presidente do Iraque, Saddam Hussein, supervisionou o desenvolvimento de uma robusta indústria nacional de armamento, tendo sido fabricadas no próprio país armas de pequeno calibre, morteiros e bombas de artilharia.
Depois de o Iraque ter invadido o Kuwait em 1990, um embargo às armas aprovado pelas Nações Unidas fez diminuir as importações de armamento pelo Iraque até 2003, mas durante e após a invasão liderada pelos Estados Unidos uma vez mais o país foi inundado com fornecimentos de armas. Muitos destes fluxos tão pouco foram devidamente monitorizados e auditados pela coligação liderada pelos Estados Unidos, nem pelas reconstituídas forças armadas iraquianas. Perdeu-se o rasto a centenas de milhares dessas armas, que continuam desaparecidas.
Entre 2011 e 2013, os Estados Unidos assinaram contratos no valor de milhares de milhões de dólares de fornecimentos de tanques 140-M1A1 Abrams, jatos de combate F16, unidades portáteis de mísseis antiaéreos 681 Stinger, baterias antiaéreas Hawk, e outro equipamento de elevado grau de sofisticação. Em 2014, os Estados Unidos tinham entregado já armamento de pequeno calibre e munições ao Governo iraquiano no valor de mais de 500 milhões de dólares.
A corrupção endémica nas forças armadas do Iraque, a par dos fracos controlos feitos aos arsenais militares e o débil rastreio das armas, traduzem-se na existência de um continuado alto nível de risco de estas armas serem desviadas por grupos armados, incluindo o Estado Islâmico.
Os Estados podem aprender com os muitos e sucessivos erros do passado e dar passos urgentes para refrear futuras vagas de proliferação de armas no Iraque, na Síria e noutros países e regiões instáveis.
A Amnistia Internacional continua a exortar todos os países no mundo a aprovarem um embargo total de armas a grupos armados envolvidos em crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outros graves abusos de direitos humanos.